ANÁLISE

Two and a Half Men, 20 anos da sitcom debochada e terror da cultura woke

Comédia liderada por Charlie Sheen e Jon Cryer chutou o balde do politicamente correto
DIVULGAÇÃO/CBS
Charlie Sheen (à esq.) com Jon Cryer em Two and a Half Men
Charlie Sheen (à esq.) com Jon Cryer em Two and a Half Men

Não há dúvida: Two and a Half Men não existiria nos dias atuais em que a desvirtuada cultura woke domina Hollywood e chega até a causar neura na ponta mais conservadora da sociedade. A sitcom, que comemora 20 anos de sua estreia nesta sexta-feira (22), foi feita para debochar mesmo e nunca ser levada a sério. No período em que foi ao ar, a comédia atropelou o politicamente correto carregada nos ombros do público que a fez ser líder de audiência.

Lançada em 22 de setembro de 2003, Two and a Half Men surgiu com o objetivo de ser uma sitcom tosca mesmo, caricata e descompromissada. Fez isso em suas duas fases, com Charlie Sheen e Ashton Kutcher liderando a trama, culminando em 262 episódios e 12 temporadas. Nos Estados Unidos, foi durante muitos anos a sitcom mais vista, repetindo o sucesso ao redor do mundo.

A cultura woke não iria permitir que Two and a Half Men alcançasse tudo isso, nem que fosse tão longe. Nesse mundo, onde o gatilho do cancelamento dispara no menor dos deslizes, a sitcom não sobreviveria com suas piadas misóginas, sexistas, etaristas… Ali imperou o bullying, zoeiras contra pessoas acima do peso e integrantes da comunidade LGBTQIA+. Em suma, ninguém era poupado.

Agora, por que fez tanto sucesso e, durante a pandemia, serviu de alívio para quem obedeceu a cartilha sanitária e ficou em casa? A magia da série é justamente o uso da comédia pastelão e antiquada, sendo um desvio da tensão do mundo real. 

Se em uma conversa normal “pegar na mangueira” significa segurar “o tubo flexível de lona, borracha ou plástico usado para conduzir líquidos” (definição do dicionário Houaiss), em Two and a Half Men o sentido é completamente diferente. Na sitcom, quanto maior for o duplo sentido da piada, melhor.

Na atual perspectiva da cultura woke, distante do seu propósito original e onde tudo é levado muito a sério, Two and a Half Men não teria condição de sequer ser aprovada por uma rede de televisão ou streaming, quanto mais entrar no ar.

Jennifer Taylor com Charlie Sheen em Two and a Half Men
Jennifer Taylor com Charlie Sheen em Two and a Half Men

Two and a Half Men, a sitcom antiwoke 

Com o intuito de conclamar as pessoas a “acordar” para as injustiças raciais e sociais vigentes na contemporaneidade, um chamado ao despertar político fidedigno, o woke virou primo do politicamente correto dos anos 1990, tão preocupado com linguagens e aparências. E acabou sendo abraçado por todo tipo de movimento progressista sem qualquer fundamento para tanto. Aí se perdeu e virou motivo de chacota no mundo intelectual.

Lembrando que durante os anos de exibição na TV americana, Two and a Half Men enfrentou inúmeras críticas por causa de seu conteúdo, seja de organizações conservadoras (cristãs e voltadas à proteção da família) ou entidades progressistas como a Glaad, que criticou um arco narrativo sobre casamento gay. 

Pense no surto coletivo que causaria, hoje, um personagem como Charlie Harper, vivido por Charlie Sheen. Podre de rico, morador de mansão com praia servindo de quintal, mulherengo desde o berço, beberrão… Querendo ou não, Charlie, o fictício, tinha traços sexistas e misóginos

Há duas décadas, ele no mínimo foi querido por muitos, a ponto de colocar o Charlie real, de carne e osso, como o ator mais bem pago da TV (recebia US$ 1,8 milhão por episódio da sitcom). Na atual conjuntura, ele engrossaria a fila dos cancelados…

Charlie Harper não só chutava o balde, mas fazia um field goal do meio do campo. Ele não perdia a oportunidade de se aproveitar das mulheres que cruzavam seu caminho, não importando se estavam frágeis, tristes… até mesmo em luto (deu em cima de uma durante o funeral do marido). Ele nunca mediu esforços enquanto a isso.

Certa vez, ele disse para Alan (Jon Cryer), seu irmão, que estava pensando em transar com uma mulher casada que tinha sido traída recentemente. Alan tentou repreendê-lo: “Você vai explorar a raiva e a dor de uma mulher só para satisfazer seu instinto animal?”. Charlie respondeu assim: “Ei! Eu não fico por aí criticando os seus hobbies!”…

E tem muito mais. Ele, por exemplo, falou com todas as letras que tinha um plano de date: “A ideia e deixá-la bêbada e fazer sexo com ela”. Charlie chegou a falar de misoginia em uma conversa com Rose (Melanie Lynskey), sua stalker, rebatendo a ideia de que era preconceituoso contra as mulheres: “Minha vida toda é um testamento do meu amor por elas”, disse.

Two and a Half Men explorou o lado politicamente incorreto de Charlie, nessa e em outras frentes, para fazer um humor que, há 20 anos, cabia no horário nobre da TV. Anunciantes faziam fila e pagavam caro para exibir suas respectivas marcas nos intervalos comerciais do programa. 

A cultura woke frearia qualquer ímpeto comercial e popular da comédia, caso fosse lançada hoje. Os fãs agradecem que não é este o caso, e que a sitcom não apenas passa por cima do cancelamento moral, mas está aí disponível em várias plataformas.

Two and a Half Men é exibida em vários dias e horários no canal pago Warner. No mundo dos streamings, ela pode ser vista, completa, no Prime Video e na HBO Max.


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