O CEO da Warner Bros. Discovery, David Zaslav, decretou: “A era de criar alguma coisa [programas] a qualquer custo acabou”. Ele disse isso aos acionistas do conglomerado nesta semana, apontando qual será a nova rota da corporação que administra o streaming HBO Max, que logo mais se juntará ao Discovery+. O objetivo é retomar a filosofia da HBO de outrora, qualidade acima da quantidade, que foi distorcida na era da AT&T.
Lançado no último dia 1º, o livro It’s Not TV: The Spectacular Rise, Revolution, and Future of HBO (Não É TV: A espetacular ascensão, revolução e o futuro da HBO, em tradução direta), expõe detalhes ricos dos 50 anos do canal sinônimo de qualidade em Hollywood. Por pouco, a empresa de telecomunicações AT&T não destruiu a grife famosa da televisão.
Em meados dos anos 2000, a AT&T resolveu entrar no mundo do entretenimento. A gigante da telefonia decidiu comprar a então Time Warner, rebatizada de WarnerMedia pela nova dona, controladora de várias plataformas e marcas importantes do mundo do entretenimento, como a HBO.
Por causa de leis burocráticas ao redor do mundo, principalmente nos Estados Unidos, a aquisição demorou 20 meses para ser concretizada, finalizada em junho de 2018. Os planos que a AT&T tinha para a agora WarnerMedia passaram a ser executados imediatamente, incomodando quem entendia do assunto dentro da empresa hollywoodiana.
Pontos de vista diferentes
O livro destaca atritos entre Richard Plepler, ex-diretor-executivo da HBO, e John Stankey, executivo da alta cúpula da AT&T designado para tocar o setor de programação da nova companhia.
Na HBO, sempre imperou a estratégia de apostar na qualidade de roteiristas, com visões originais, únicas, destoando do aplicado na concorrência. Por lá, projetos só eram aprovados após muitas análises, passando por critérios rígidos. Assim, se criou a mística de que se uma série está na HBO, é boa (pelo fato de passar por uma peneira rigorosa). E surgiu o slogan “não é TV, é HBO”, distinguindo o canal de qualquer rival.
A visão de Stankey era diferente, porém. O executivo trouxe para Hollywood o método corporativista de tocar o barco, mais rústico, não enxergando a TV como arte. A proposta era fazer muito mais programas, não sendo apenas o canal do domingo à noite. Essa tática ganhou eco dentro da empresa, pois Stankey era quem tinha a chave do cofre.
Ele queria ter na WarnerMedia algo para competir com a Netflix. O executivo acabou forçando a criação da HBO Max. Pleper era contra uma plataforma naquela altura do campeonato, pois acreditava que a AT&T não tinha dinheiro suficiente nem conhecimento para uma empreitada desse tamanho. O CEO da HBO achava mais correto investir no canal premium.
Quatro meses após o surgimento da WarnerMedia, foi anunciado o projeto HBO Max. Pleper se viu como força vencida nesse cabo de guerra e, no começo de 2019, ele simplesmente largou a companhia, terminando uma jornada de 27 anos de trabalho na HBO.
A gastança da HBO Max
Com diversos problemas técnicos, a HBO Max foi lançada em 2020. O catálogo rico, por causa da videoteca fenomenal da Warner, atraiu assinantes. O problema foi a expansão da marca. Stankey queria fazer do serviço uma nova Netflix.
Para tanto, nasceram todo tipo de programas, como realities e atrações infantis. E isso ao redor do mundo, com investimentos pesados na Europa e América Latina. No Brasil, a proposta era fazer novelas tamanho micro = telesséries; nomes graúdos ex-Globo chegaram a ser contratados.
O sonho de ser a nova Netflix virou pesadelo. Muitas atrações de baixa qualidade entraram no ar, pois a prioridade foi a quantidade. A HBO Max emplacou uma série interessante aqui e ali, mas poucas em relação ao que foi produzido. Dessa forma, o streaming virou piada em Hollywood. O slogan da HBO serviu de referência: “HBO Max, é apenas TV.”
Acabou que a AT&T viu que não entendia mesmo de entretenimento e desistiu da WarnerMedia. A companhia abdicou dos direitos de dona e o grupo Discovery assumiu as rédeas, negócio fechado em abril deste ano. David Zaslav, ex-presidente da Discovery Inc., ficou com o cargo de CEO da recém-formada Warner Bros. Discovery.
Quando chegou na nova casa, Zaslav viu o estrago feito pela AT&T. A gastança só aumentou o prejuízo da empresa (dívida atual de US$ 47 bilhões). E o investimento foi em produções sem retorno substancial, apenas para fazer volume no catálogo da HBO Max.
Por isso, Zaslav adotou um regime linha dura nesse começo de gestão, cortando todo tipo de projeto fraco, se livrando também de programas que tinham sido aprovados anteriormente e nem saíram do papel. Tudo para abater o enorme déficit.
Zaslav olha para a HBO e quer mais Euphoria e A Casa do Dragão na HBO Max, séries de grande porte para arrasar o quarteirão. Ele fala sério quando afirma que “a era de criar alguma coisa [programas] a qualquer custo acabou”. É copiar o modelo vencedor da HBO de apostar na qualidade contra a quantidade.
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
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