Uma prática medonha se estabeleceu no mundo das séries, algo que não afeta só aquela sua atração preferida. Não chega a ser um novo padrão, mas se tornou bastante comum produções da TV americana terem intervalos entre temporadas de dois anos, quando não (quase) três, que é o caso de Ruptura, elogiado drama do Apple TV+ indicado ao Emmy.
Aliás, você que assistiu Ruptura, nos primeiros meses de 2022, é capaz de lembrar de acontecimentos importantes da trama assim, de bate-pronto? E Euphoria, que não tem episódios inéditos também desde o começo de 2022? Lembra de Stranger Things? O hit da Netflix não acabou há dois, como pode parecer; a quinta e última temporada vem aí em 2025. O que vão fazer com os icônicos personagens adolescentes, agora interpretados por jovens adultos? Millie Bobby Brown já é uma mulher casada…
O Diário de Séries apresenta cinco principais entraves que tirou muitas séries do curso natural, o de lançar temporadas com intervalo de tempo curto, de apenas alguns meses:
Greves
Sim, a greve dupla, de atores e roteiristas, que paralisou Hollywood durante seis meses no ano passado, afetou diretamente inúmeras produções, como a própria Stranger Things. A série teen sobrenatural da Netflix estava toda preparada para gravar a quinta e última temporada em maio de 2023. O cronograma completo teve de ser adiado, empurrado para janeiro deste ano.
O impacto dessas paralisações na indústria de entretenimento foi tão grande que somente em 2025 é que se espera uma volta à normalidade. Todo tipo de produção complexa precisou ser adiada, aumentando assim o hiato entre temporadas.
Séries mais simples, como O Poder e a Lei (Netflix), conseguem voltar aos trilhos rapidamente. Lançado em maio de 2022, o drama jurídico chegou com a terceira temporada nesta semana, cravando três levas de episódios nos últimos três anos (maio-22, julho/agosto-23 e outubro-24).

Episódio = filme
Antes mesmo de entrar na pós-produção, séries prestigiadas estão cada vez mais com gravações complexas. Muitas fazem longas-metragens ao invés de episódios. É o caso de Stranger Things, conforme relato de Maya Hawke, intérprete de Robin Buckley: “As gravações dos episódios demoram bastante”, disse, falando sobre a última temporada. “Basicamente, estamos fazendo oito filmes. Os episódios são bem extensos.”
Ela comentou que é necessário um ano inteiro para gravar tudo isso, o que é muito para uma série de TV com tão poucos episódios. Se seguisse o padrão dos streamings, com cada capítulo beirando os 60 minutos, a gravação não passaria de seis meses.
Espetáculo cinematográfico na TV
Colado no tópico acima está o espetáculo que viraram séries de TV de alto nível (entra em cena o trabalho intenso de pós-produção). Os Anéis de Poder, que encerrou a segunda temporada no começo deste mês, teve um espaço entre levas de dois anos. A carga maior cai sobre o departamento de efeitos visuais e afins. É muito dinheiro investido para dar uma cara de cinema a cada episódio; e quem assiste realmente tem essa impressão.
No caso de Bridgerton, o peso despenca nas equipes de figurino, decoração e cenário. Para fazer uma leva do drama de época como Shonda Rhimes e companhia desejam, esbanjando pompa e luxo, é preciso bastante tempo para cuidar de detalhes que tornam a trama rica e bonita de ser vista. Ali não há nada feito no modo expresso.
Lado ruim da TV ser o ‘novo cinema’
É muito bom ver profissionais do cinema, principalmente quem trabalha atrás das câmeras, invadindo o ecossistema da TV. Porém, o lado ruim disso é que o pessoal da telona não tem o mesmo pique dos operários da telinha, seja do diretor aos operários que pegam pesado na produção.
Quem faz essa transição sem um conhecimento prévio não possui a ginga e nem tem o treinamento adequado para entregar duas temporadas de 20 episódios cada em dois anos, por exemplo, como visto aos montes na TV aberta, nos tradicionais dramas policiais e médicos.
Assim, o fã não nutre uma relação íntima com uma série, que entra no esquecimento por causa da demora. A Max, streaming da Warner, quer mudar isso com The Pitt, novo drama médico criado para ter 16 episódios por temporada e com intervalo curto entre levas inéditas, um modelo mais parecido com o da TV aberta americana.

Demora para renovar
Os streamings, em particular, demoram muito para decidir sobre a renovação de uma série. Isso porque os executivos precisam de dados de audiência (e outras informações) antes de encomendar novos episódios ou não. Acontece que esse processo é demorado. Só com dados coletados após 90 dias do lançamento de uma série é que se tem a tranquilidade de analisar os números e bater o martelo.
Isso atrasa a montagem da sala de roteiro dos novos episódios, a negociação para renovação de contrato do elenco, o trabalho da pré-produção… Por isso, a Netflix tenta adiantar esses dados e oferecer os episódios de algumas séries para funcionários e assinantes selecionados, antes mesmo da estreia oficial. Isso para ter uma noção de como será a recepção do público.
Foi exatamente o que aconteceu com Ninguém Quer, a mais recente comédia romântica sensação da plataforma do tudum. Apenas 15 dias após o lançamento, a Netflix renovou a série para uma segunda temporada. O ibope registrado nesse período casou com projeções de números coletados antes de a atração ser disponibilizada ao público. A sala de roteiro já foi aberta, e os episódios inéditos não devem demorar mais do que um ano para estrear. •

João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br