Melhor sitcom de todos os tempos, Seinfeld completa 35 anos nesta sexta-feira (5). Na era em que a polícia do politicamente correto caça produções do passado para apontar supostas afrontas preconceituosas, a série vencedora de dez Emmys (incluindo de melhor comédia, em 1993) é alvo dessa patrulha tola. Basta ter um olhar equilibrado e justo para entender a proposta da trama e, assim, melhor compreender as piadas ali contadas.
Quem tem essa perspectiva apurada ainda hoje aproveita o humor afiado de Seinfeld (disponível na Netflix). A sitcom gera muita audiência três décadas e meia depois de sua estreia, é uma das produções mais cobiçadas no mundo dos streamings e vale centenas de milhões de dólares.
Antes de tudo, é preciso entender que no centro da narrativa estão quatro personagens pretensiosos, idiotas non sense que tomam atitudes egoístas e erradas a todo instante. E é isso que produz a comédia, feita para brincar com as coisas mais banais do cotidiano.
Elaine (Julia Louis-Dreyfus), George (Jason Alexander), Jerry (Jerry Seinfeld) e Kramer (Michael Richards) podem até achar que estão com a razão em cada passo que dão, mas na maioria das vezes isso não é verdade. Daí surgem situações absurdas que provocam boas risadas, mesmo quando temas sensíveis estão em jogo.
No episódio em que Jerry demonstra insensibilidade racial com uma amiga indígena de Elaine, Seinfeld escancara como a classe média branca tropeça nos próprios pés ao lidar com pessoas indígenas, demonstrando zero tato ao reforçar estereótipos. A série acerta em colocar Jerry numa situação desconfortável, porque se esforça para não dizer palavras e expressões associadas ao povo originário americano, algumas carregadas de preconceito.
Quando Jerry e George são confundidos como sendo gays, ainda mais um casal, a sitcom explora com maestria a insegurança sexual de ambos. E ainda por cima brinca com hábitos corriqueiros envolvendo a homossexualidade e suas descobertas. Se alguém hoje pretende cancelar Seinfeld por isso, é bom considerar que a Glaad, respeitada organização que luta pelos direitos da sociedade LGBTQIA+, deu um prêmio para esse episódio.
Seguindo a linha da idiotice dos personagens, Elaine tenta “converter” um homem gay. Ela faz de tudo para torná-lo hétero, como se a série defendesse que a homossexualidade é uma escolha feita no apertar de um botão. Só que, no final das contas, a narrativa refuta a noção de que ser gay é uma fase, fazendo com que Elaine ficasse como a errada da história.
É necessário ter uma visão treinada para entender o humor de Seinfeld. Quem for assisti-la com um viés de cancelador, vai errar na interpretação e perder a chance de rir bastante. A série tem, ao longo dos seus 180 episódios, espalhados em nove temporadas, diversos bons exemplos de crítica cultural e social que muitos da patrulha woke rotulam como erro.
A série é cirúrgica no episódio no qual Elaine paquera um jovem rapaz que ela acredita ser preto ou mestiço; está incerta, mas tem medo de perguntar para não ser indelicada. Ele, por sua vez, tem interesse em Elaine por achar que ela é de origem latina. Quando descobrem ser nem um, nem outro, que não formam um casal inter-racial, o romance derrete. Afinal, não passam de “só mais um casal de brancos”.
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
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