O que é aquela raiva que você sente quando bate o pé na quina de um móvel? Será que a peça de mobília merece o combo de palavrões proferidos? Ou na verdade a fúria despertada tem outra raiz? A brilhante comédia Treta (Netflix) expõe e investiga essa raiva vulcânica que carregamos, tratando dos motivos dela explodir. Se algumas pessoas conseguem controlá-la, (aparentemente) a maioria tem pavio curto.
A série trata da raiva com sagacidade, colocando no centro da narrativa dois personagens bem distintos, mostrando que a irritação domina qualquer tipo de pessoa, não importando suas características, origens ou criação.
Não à toa, uma frase conecta os dois protagonistas: “sempre há algo”. Ambos se identificam com essa declaração que resume a frustração de nunca conseguir sair dos problemas enfrentados e desfrutar um alívio, pois “sempre há algo” que surge para segurar a onda de um possível breque da insatisfação.
A raiva é democrática
Se você disser que Danny Cho (Steven Yeun) é um faz-tudo, ele fica bravo. Como ele mesmo corrige, é “um empreiteiro”… que faz todo tipo de serviço para se sustentar. Dirigindo uma picape velha, sem muita perspectiva de vida, Danny é a pessoa que se revolta por nunca obter uma vitória. Desgosto após desgosto enchem o copo da raiva.
Na outra ponta está Amy Lau (Ali Wong), empresária bem-sucedida, face de uma família perfeita, dona de uma casa estonteante, casada e mãe. A frustração dela é ter tudo isso e perceber que é infeliz. Ela reclama, por exemplo, que nem a casa própria tem tempo de desfrutar porque vive ocupada, muito menos estar presente na rotina e criação da filha pequena, cuidada pelo marido irritantemente positivo.
Amy se revolta porque ninguém cuida dela, sente falta desse carinho. Ela não consegue aproveitar o sucesso profissional alcançado. Em certo momento, o furor aflora quando reclama que ninguém compra nada para ela: “Amy vai comprar algo para Amy”, esbraveja. Aborrecimento após aborrecimento enchem o copo da raiva.
O estopim
Uma breve passada pelo noticiário se percebe como as pessoas estão iradas. Pequenos atritos geram reações descomunais, algumas levando até a consequências graves. Isso fica evidente na quantidade enorme de brigas de trânsito, embates que aumentaram durante e pós-pandemia.
Esse é o ponto de partida de Treta. Os caminhos de Danny e Amy se cruzam depois de um desentendimento no estacionamento de um mercado. Buzina para cá, xingamento para lá, gritaria, dedo médio levantado… Eis a gota que transbordou o copo. Daí se inicia uma fuga insana pelas ruas de Los Angeles, sem jardim ou sinal vermelho para frear a perseguição.
É o ínicio de uma interação doentia, com um stalkeando o outro, não querendo “deixar barato” ou “levar desaforo para casa”. Curiosamente, um acha que o outro que é o doido varrido da história, a pessoa sem noção. Enquanto que, na verdade, esse outro é mais parecido com o um do que se quer acreditar. O inferno são os outros, afinal de contas.
Dessa maneira, ocorre aquele tipo de situação quando alguém quer te dar um conselho, mas na verdade aquela palavra de conforto ou orientação é para ele mesmo.
O que aconteceria em um dia qualquer desses se todas as pessoas deixassem a cólera dentro de si explodir como fazem Danny e Amy? Porque uma coisa é certa: todos nós temos raiva. A questão é quem consegue domá-la ou não.
Treta examina por completo a fúria que habita dentro do ser, da origem à concretização de uma atitude violenta. Por ser um sentimento comum, não tem como não se identificar com os protagonistas, mesmo se o telespectador for aquele que não faz mal a ninguém e desconta todo seu ódio no móvel de casa que “cruzou” o seu caminho, disparando uns cinco palavrões distintos para descarregar a raiva.
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
Siga nas redes
Fale conosco
Compartilhe sugestões de pauta, faça críticas e elogios, aponte erros… Enfim, sinta-se à vontade e fale diretamente com a redação do Diário de Séries. Mande um e-mail para:
Este site usa cookies para que possamos fornecer a melhor experiência possível para o usuário. As informações dos cookies são armazenadas no seu navegador e executam funções como reconhecê-lo quando você retorna ao nosso site e ajudar a nossa equipe a entender quais seções do site você considera mais interessantes e úteis.
Você pode ajustar todas as configurações de cookies navegando pelas guias no lado esquerdo.
Cookies estritamente necessários
Cookies estritamente necessários devem estar sempre ativados para que possamos salvar suas preferências para configurações de cookies.
Se você desativar este cookie, não poderemos salvar suas preferências. Isso significa que toda vez que você visitar este site, precisará ativar ou desativar os cookies novamente.
Cookies de terceiros
Este site usa ferramentas de terceiros, como Google Analytics, Google Adsense, entre outros, para coletar informações anônimas, como o número de visitantes do site e as páginas mais populares.
Manter este cookie ativado nos ajuda a melhorar nosso site.
Ative primeiro os Cookies estritamente necessários para que possamos salvar suas preferências!