Irregular, a quarta e última temporada de My Brilliant Friend não apagou o brilho de uma das séries mais belas da história da HBO (disponível completa na Max). O drama italiano concluiu, na última segunda-feira (11), a adaptação dos quatro livros da saga A Amiga Genial, da autora Elena Ferrante, cujo primeiro volume, publicado em 2011, foi eleito o melhor livro do século 21 pelo jornal The New York Times.
Dois pontos fizeram a despedida da série ter um gosto levemente amargo: decisões criativas da adaptação e mudança brusca no elenco. Entrando na fase de transição entre a maturidade e velhice de todos os personagens, My Brilliant Friend precisou trocar todos os atores e atrizes principais das duas levas anteriores. O resultado, com exceções, não agradou, confundindo bastante o público, perdido sem lembrar quem é quem na história.
Ciente desse desconforto, a atração tentou minimizá-lo na vinheta de abertura. Foram feitas intercalações individuais com cada um dos personagens de destaque, mostrando como eles estavam caracterizados nos episódios passados e como estariam na quarta temporada.
Essa dica valiosa, porém exibida num piscar de olhos, não foi suficiente. Lá pelas tantas, tirando Lila e Lenu, se tornou realmente complicado identificar os demais personagens e conectá-los com o que fizeram até então.
Uma das exceções dentro desse quesito, que merece total realce, é Irene Maiorino. Ela recebeu a missão de viver a madura Lila e ficou absurdamente parecida com Gaia Girace, a Lila das temporadas dois e três, parecendo ser, de fato, a versão mais velha da jovem atriz. A combinação da fisionomia com o jeito de falar resultou em uma atuação espetacular.
Nino (Fabrizio Gifuni) e Enzo (Pio Stellacci) também ficaram semelhantes aos atores das duas temporadas anteriores. O caso de Lenu, na pele da atriz Alba Rohrwacher, foi um explicitamente diferente. Os produtores tinham clara noção de como ela nada se parecia com Margherita Mazzucco. Mas a defesa dessa escalação foi que Alba conhecia a alma da personagem, por ser a voz de Lenu, na narração, desde o primeiro episódio.
Irregularidade de My Brilliant Friend
My Brilliant Friend entregou três temporadas magníficas. Tem-se ali uma verdadeira experiência cinematográfica de belas-artes. A série destrincha os altos e baixos de uma amizade feminina, da infância à velhice, durante seis décadas, a partir dos anos 1950. Cada temporada encenou com maestria os respectivos períodos pelos quais a narrativa passou, um trabalho primoroso da direção de arte.
Isso se manteve, de certa forma, na quarta temporada. O problema foi na adaptação em si do livro História da Menina Perdida, o último da coleção da tetralogia napolitana. O que poderia ser condensado foi estendido, e o que merecia um tempo maior de desenvolvimento foi resumido. Sem contar revelações importantes do livro que não apareceram na série.
A mais relevante de todas se deu no episódio final. O drama completou o ciclo, chegando à cena mostrada no primeiro capítulo, com Lenu recebendo uma ligação do filho de Lila dizendo que a mãe está desaparecida. Nesse ponto da vida, na terceira idade, as amigas fiéis estavam em um momento de crise, sem se falarem por um bom tempo.
Acontece que a série não mostrou o que foi a gota d’água desse rompimento severo, que partiu de Lila. Logo após se mudar para Turim, e antes de Lila desaparecer, Lenu saiu do ostracismo e voltou a publicar um livro, batizado de Uma Amizade. Trata-se de um conto sobre o sumiço de Tina, filha de Lila.
O livro é um enorme sucesso e reacende os leitores de Lenu, fãs que estavam adormecidos. A obra enfurece Lila, que decide nunca mais falar com a amiga escritora. Lenu até tenta retomar o contato, mas era ignorada toda vez.
Essa dinâmica importante ficou de fora da série, um exemplo de tantas outras decisões discutíveis que a direção criativa da quarta temporada de My Brilliant Friend tomou ao adaptar História da Menina Perdida.
A despeito desses tropeços, o conjunto da obra é fantástico. My Brilliant Friend é digna de todos os aplausos por ser a exemplificação da arte televisiva, uma produção do mais alto nível, o mais perto possível da perfeição. •
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br