Em 11 de julho de 2013, dia da estreia de Orange Is the New Black na Netflix, o hábito de maratonar séries (binge watching) inexistia. As atrações em evidência repetiam a fórmula padrão, de ter como protagonistas personagens brancos e héteros. E pessoas consideradas minoria não chegavam nem perto de serem alvo da luz dos holofotes de Hollywood. Orange mudou tudo isso, fazendo história.
A comédia dramática tinha no alicerce uma premissa aparentemente mais do mesmo, narrando as aventuras de uma pessoa fora de seu habitat natural. No caso, estava ali Piper Chapman (Taylor Schilling), mulher, loira, branca e patricinha, condenada à 15 anos de prisão por lavagem de dinheiro. Ela é mandada para uma detenção feminina federal americana de segurança mínima.
Piper, na verdade, serviu de isca. Ela não é a protagonista de Orange Is the New Black. Na verdade, ninguém é. A série quebra esse modelo e dá destaque a tantas outras personagens que estão dentro da Penitenciária Litchfield, ao redor de Piper. Isso talvez seja o feito mais importante da atração.
Tem-se ali todo tipo de mulher representando vozes marginalizadas em Hollywood: preta, latina, queer, trans, idosa, doente, viciada em drogas… São personagens de todas as crenças, com os tipos de corpo mais variados possíveis e de nacionalidades diferentes. Nunca houve uma série tão diversificada quanto essa.
Orange Is the New Black usou o recurso do flashback (cenas do passado) para dar bastante destaque a cada uma dessas personagens. O público ficou sabendo sobre a história de vida delas antes do cárcere, não somente abordando o motivo de estarem presas. Mulheres que raramente apareciam em séries ganharam profundidade, gerando empatia.
Orange Is The New Black alterou regras do Emmy
Definir Orange sempre foi muito difícil. Uma cena completamente hilária era seguida de interação emotiva e densa. Essa mistura de comédia e drama confundiu o Emmy. A produção já disputou o Oscar da TV como comédia e drama, confusão que fez a Academia de Televisão americana, a organizadora da cerimônia, a rever a classificação de séries sem uma definição de gênero clara.
Desde então, não há rotulação automática do que é comédia e drama. As séries podem argumentar que são de um tipo ou de outro, igual fez Poker Face neste ano.
O dilema é compreensível porque Orange Is the New Black joga dos dois lados. A melhor forma de catalogar a narrativa é dizer que ela aborda temas pesados (de imigração a reforma prisional) com pitadas de humor, amenizando assim a jornada. Os alívios cômicos são complementares aos temas necessários tratados de forma séria.
Estar na Netflix ajudou a atração nessa missão. O processo criativo não temias restrições comuns da TV aberta, muito menos existia preocupação com índices de audiência. Dessa forma, os roteiristas puderam tomar riscos com o enredo apresentado, colocando no centro situações que não se vê com frequência no mundo das séries.
Em 2013, os dramas indicados ao Emmy tinham algo em comum: gente branca, cis, no protagonismo (Breaking Bad, Downton Abbey, Game of Thrones, House of Cards, Mad Men e True Detective). No ano seguinte, Orange Is the New Black quebrou essa sina e foi indicada, carregada por mulheres de todas as cores e histórias de vida.
Esse é um símbolo sobre o quanto Orange foi revolucionária. E isso se manteve durante sete temporadas, até terminar em 2019. O resultado: foi a série mais vista nos primeiros sete anos de Netflix.
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
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