De “Grey’s Anatomy brasileira” a “uma das melhores séries de 2024”, o drama médico Sutura, lançado na última sexta-feira (22) pelo Prime Video, é alvo de elogios rasgados nas mais diversas críticas espalhadas nas redes sociais, em forma de texto ou vídeo. Acontece que a maioria dessas avaliações é propaganda travestida de análise imparcial.
O telespectador que gosta de ler/ver/ouvir críticas sobre determinada série, seja antes de assisti-la ou durante a maratona, fica espantado com tanta exaltação dada à Sutura, parecendo que essa série é realmente a coisa mais maravilhosa já feita no Brasil sob o selo do streaming da Amazon. Tudo não passa de um discurso pago, e muitas dessas críticas deixam para informar isso ao público somente no final do texto ou vídeo.
Então, quem não chega a tanto fica com a sensação de que o novo drama médico brasileiro é algo espetacular de bom. Esse tipo de postagem, financiada pelo Prime Video para promover a atração recém-lançada, é prática comum, justa e legal. Entretanto, a ética da comunicação determina que um aviso de publicidade (publi, como é mais conhecido) seja destacado antes de tudo, para deixar claro ao receptor do que aquilo se trata.
Em uma análise criteriosa e imparcial, Sutura não é uma série horrível, que merecesse tanto investimento assim do Prime Video para maquiar uma trama ruim. Só que também não é a próxima ganhadora do Emmy Internacional, muito menos a “Grey’s Anatomy brasileira” ou “uma das melhores séries do ano”. Nem um extremo, nem outro.
O principal ponto negativo do drama médico é cair na vala comum do entretenimento brasileiro, de constantemente inserir o banditismo em todo tipo de narrativa, exalando assim falta de criatividade. Vem aí na Netflix, por exemplo, mais uma produção dessa laia, misturando o universo do boxe com o crime organizado.
Em Sutura, a temática estereotipada é sobre um jovem periférico que sonha em ser doutor. O que poderia ser uma história positiva e refrescante desemboca na banalidade: o protagonista tem envolvimento com criminosos de alta periculosidade.
Produzida pela Boutique Filmes, Sutura segue os passos de Ícaro (Humberto Morais), um incorruptível jovem da periferia de São Paulo, recém-formado em Medicina, que não pode fazer a sua residência médica por conta de uma dívida contraída durante a faculdade.
Do outro lado, está a doutora Mancini (Cláudia Abreu), uma cirurgiã de elite recém-saída de um trauma, atormentada por tremores nas mãos, que quer voltar a operar.
A única solução que encontram para resolver seus problemas é atuar como médicos do crime, dando início a uma perigosa vida dupla onde escapar pode se provar impossível.
A pergunta que fica é: por que criar mais uma produção do audiovisual brasileiro na qual um jovem oriundo da periferia apareça ligado ao crime, direta ou indiretamente? Em prol da dramaticidade barata, é desperdiçada a chance de promover uma história de luta contra o sistema, de redenção e superação.
Em tempo: Boutique Filmes é a mesma produtora que fez séries como 3% (Netflix) e Rota 66 (Globoplay). •
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br