Quem acompanha a série Xógum: A Gloriosa Saga do Japão (Star+, Disney+) no áudio original e com legendas fica confuso. Afinal, personagens fazem uso do idioma português, mas na verdade o que se ouve é o inglês. E isso é recorrente ao longo dos episódios. O espectador que opta pela versão dublada não se depara com esse problema, pois há mistura do som original (japonês) com a dublagem em português assim que os personagens adotam a língua lusitana.
Série americana do grupo Disney, canal FX e plataforma Hulu, Xógum tem como base o japonês e o inglês, visando não apenas o público local, mas também a importação. De antemão, foi estabelecido que esses dois idiomas seriam os únicos usados pelos personagens na trama, embora o português tivesse, naquele período real no qual a série se baseia, por volta dos anos 1600, muita força e influência.
No podcast oficial de Xógum, que comenta detalhes de cada episódio, Justin Marks, coshowrunner do drama épico, deu detalhes do processo de escolha a favor do inglês contra o português, isso em se tratando do áudio original.
“Desde o início, decidimos que o inglês seria a nossa língua franca”, revelou Marks. “Quando você vê personagens europeus falando na atração, na maioria das vezes o português está sendo usado. John Blackthorne, o personagem fictício vivido por Cosmo Jarvis, tinha fluência em vários idiomas. Faz sentido que o português seja uma de suas línguas dominantes para se comunicar com os japoneses.”
Marks ressaltou que, naquele período, o português seria o único outro idioma, fora o japonês, que alguém do Japão ouviria de forma mais comum, tal qual hoje é o inglês, por exemplo.
Emily Yoshida, roteirista de Xógum e apresentadora do tal podcast, pontuou que toda equipe de roteiristas da série era formada só por pessoas que falavam inglês. Logo, escrever os diálogos em inglês era o modo mais natural e prático.
Tradução detalhista
Já com as falas em japonês a história é outra, tendo de passar por cerca de nove etapas, de acordo com Marks, até chegar ao resultado final visto na tela.
Após a finalização dos roteiros completos em inglês, eles foram enviados para uma time de tradutores em Tóquio. A missão deles era pegar o texto raiz e traduzi-lo ao japonês moderno. Na sequência, o texto em japonês ia para as mãos de um dramaturgo local, que não falava inglês, para adaptá-lo ao japonês antigo, mais adequado à vida nos séculos 16/17. Essa versão é a proferida pelos personagens japoneses nos episódios.
As legendas, em inglês ou em outros idiomas, vieram dessa versão baseada no japonês medieval. Rachel Kondo, a outra showrunner de Xógum, citou um caso específico no qual todo esse processo deixou os diálogos mais honestos e realistas.
No final do primeiro episódio, Yoshii Toranaga (Hiroyuki Sanada) conversa com Toda Mariko (Anna Sawai), fiel católica, sobre ela se sentir confortável ou não tendo de ouvir Blackthorne, que é protestante, atacar e depreciar a fé católica.
“No texto original, em inglês, ela responde que isso ‘só seria um problema se eu fosse uma única coisa’”, comentou Rachel. “Quando esse texto voltou da tradução japonesa, a frase virou: ‘Eu tenho mais do que um coração’. Achei que ficou uma maneira muito mais bonita e precisa de demonstrar o sentimento de Toda”. Depois, a série explica o que, para o japonês, significava ter mais de um coração.
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João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br