Drama coreano arrebatador do Paramount+, Barganha é um primor técnico do mais alto nível. A crítica cortante contra o capitalismo é narrada como se fosse em tempo real, com uma única câmera acompanhando os personagens: eles tentam escapar de um hotel em ruínas, point de tráfico de órgãos, após um terremoto. Toda a série foi feita para parecer um plano-sequência longo, dando a impressão que não houve nenhum corte de edição.
Obviamente, Barganha não foi finalizada 100% sem cortes. Mas houve sim gravações longas, com takes (tomadas) durando cerca de 15 minutos, situações nas quais todos os envolvidos, dos atores à equipe atrás das câmeras, precisavam ser infalíveis. Qualquer descuido derrubaria por terra o take, tendo de ser refeito tudo de novo.
O objetivo disso é transmitir ao telespectador o sentido de urgência dos personagens, além de realçar a angústia deles, assim como a tensão elevada. Quem assiste à série fica com a sensação de estar dentro daquele caos, pois a câmera reage igual aos personagens, seja tomando sustos com surpresas ou correndo para escapar de algo.
Cenas com plano-sequência são raras, tanto no cinema quanto na TV, pela dificuldade extrema de executá-las. Algumas produções se arriscam, mas em uma única ocasião durante breves minutos. Barganha fez isso em todos os seis episódios, cada um girando em torno de 35 minutos de cena.
Essa técnica exige muito dos atores. Um dos protagonistas, Jin Seon-kyu, que vive um homem capturado para ser morto e ter os órgãos vendidos, revelou que como preparação encarou cenas do drama como se fossem monólogos teatrais raiz. Ele teve de achar um modelo de atuação específico porque seu personagem é um dos que mais fala ao longo dos episódios.
Jin chegou a gravar várias cenas, sem parar, durante 15 minutos. O processo até chegar no resultado final impecável foi bastante longo. Para gravar uma cena de 15 minutos sem cortes, um dia inteiro era usado só como ensaio, para cada ator envolvido saber onde exatamente deveria estar. Depois de tudo acertado, as câmeras eram ligadas à vera.
Os ensaios serviam como mapa. Não necessariamente cada passo deveria ser seguido à risca após o grito de “ação!”. Os atores tinham liberdade, dentro de um limite, de improvisar movimentos e posições para fazer a cena fluir sem tropeço e erro. Tudo para chegar ao fim do plano-sequência com perfeição.
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Quem assiste Barganha só tece elogios por esse trabalho. A sensação varia, porém. Tem quem acha que parece alguma experiência de realidade virtual, devido à “câmera maluca” em constante movimento. Outros se veem inseridos em um videogame, quase no estilo “primeira pessoa”.
A magia do entretenimento entrou em campo para enganar o telespectador nos poucos cortes efetuados. É legal acompanhar o k-drama tentando identificar onde um corte pode ter ocorrido. Geralmente, isso é feito quando a câmera se aproxima muito de uma superfície escura, daí rola uma edição sutil. Barganha tem o truque de usar algumas luzes falhando no hotel pós-terremoto. No instante em que tudo fica escuro, rola um corte.
O Paramount+ precisa tratar Barganha com carinho no circuito de premiações hollywoodianas que está por vir. Com uma campanha bem arrumada, a série coreana pode beliscar indicações e obter vitórias em vários prêmios, principalmente por esses aspectos técnicos, destacando a direção. É, sem dúvida, um trabalho original, único e digno de reconhecimento.
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João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br