Longe do glamour das celebridades e dos holofotes de showrunners renomados, os roteiristas de Hollywood passam apuros extremos por causa da baixa remuneração que recebem, algo que querem mudar nas atuais conversas entre o sindicato da categoria (WGA) e a entidade patronal que representa produtoras e estúdios (AMPTP). Roteiristas usam as redes sociais para revelar perrengues da profissão, como ter de roubar para alimentar a própria família.
De forma orgânica, roteiristas de diversas idades e origens estão usando o Twitter para contar ao público situações embaraçosas e problemáticas da profissão. Na atual negociação com os patrões, os roteiristas têm como um dos objetivos melhorar o pagamento oriundo das plataformas de streaming, as dominadoras do mercado.
Michael Mohan, principal roteirista de Everything Sucks! (2018), comédia da Netflix, deu um dos depoimentos mais crus. “Não é brincadeira. Quando estava escrevendo Everything Sucks!, eu roubava comida da lanchonete da Netflix para alimentar minha família. Era um trabalho que estava durando meses, sem pagamento, e eu não podia arranjar outro emprego.”
Ele se posicionou a favor do sindicato, afirmando: “O que o WGA está pedindo é 1000% justo.”
A palavra-chave para decifrar uma problemática da possível greve é residual, que no mercado hollywoodiano significa o valor pago aos roteiristas depois que uma série é lançada, como se fosse recebimento por direito autoral.
No passado, eles tinham a possibilidade de receber cheques durante toda a vida se a série na qual trabalharam fosse bem reprisada, tanto nos Estados Unidos como no restante do mundo. Sem contar as vendas de DVDs.
Com os streamings, tudo mudou. O montante do residual diminuiu, não há comercialização para terceiros (tipo a HBO Max vender uma série cancelada para um canal exibir) nem DVDs. Para ilustrar isso, Dylan Park-Pettiford (roteirista da série All Rise) resgatou um pagamento de residual que recebeu: US$ 5,33.
O cenário afeta a grande maioria da classe, mesmo quem já ganhou Emmy ou outros prêmios. Só escapam os supershowrunners. Ashley Nicole Black, premiada e roteirista de Ted Lasso, explicou bem essa questão do residual, citando cheque no valor de US$ 1,25. “Mesmo se a série em um streaming for hit”, ressaltou, “o valor repassado é muito pequeno em comparação com o modelo praticado pela TV convencional.”
Matt Hubbard, de 30 Rock e Joey (spin-off de Friends), deu um exemplo de como o residual era bom para os roteiristas. “Com entusiasmo, vou votar a favor da greve”, decretou. “Eu escrevi uma das piores sitcoms da história, há uns 20 anos, e AINDA recebo residual por ela. A nova geração de roteiristas merece o mesmo nível de compensação.”
Alex Blagg (Workaholics) expôs mais um ponto de vista desse imbróglio: “Voto sim pela greve porque, apesar de eu já ter criado séries, vencido Emmys e ter oito anos de carreira na TV, eu ainda não consigo me sustentar como roteirista.”
“Votar sim é uma mensagem forte para mostrar o quanto estamos unidos”, continuou. “Ninguém quer uma greve, mas votar não só irá nos prejudicar [como categoria].”
Alanna Bennett (Roswell, New Mexico) cravou que “o atual sistema é insustentável” e explicou o porquê: “Nos últimos três anos, trabalhei em três salas de roteiristas, participei de dois pilotos, escrevi roteiros, editei… Trabalho atualmente em adaptação de livro com uma estrela de protagonista. E, mesmo assim, estou financeiramente quebrada”.
As negociações entre o WGA e a AMPTP estão em andamento. O atual vínculo expira em 1º de maio.
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João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br