
A competente atriz Rhea Seehorn voltou ao centro das atenções com Pluribus, nova produção de Vince Gilligan para a Apple TV. O fascínio em torno de sua presença em cena ajuda a explicar o porquê. Para muitos, Seehorn já havia sido a grande revelação de Better Call Saul, spin-off de Breaking Bad, e injustiçada pelo Emmy, que não deu uma estatueta sequer nem a ela nem ao drama jurídico.
Dessa vez, Gilligan não apenas reconhece o talento da artista: ele o coloca como o elemento essencial de Pluribus. A ficção científica nasce como o projeto mais ousado do criador, quase um “cheque em branco” conquistado após o estrondo de suas produções anteriores (como Arquivo X). Apesar disso, o espetáculo pertence a Rhea. É ela quem sustenta a narrativa, o tom e o impacto dramático. Sem sua presença, a proposta diferentona da série simplesmente não se sustentaria.
Em um ambiente televisivo cada vez mais competitivo, talvez só Gilligan conseguiria emplacar algo tão estranho, ambicioso e deliberadamente provocador. Pluribus mergulha em uma fábula de ficção científica que desafia o espectador, flerta com o estranhamento e testa os limites da narrativa convencional. Ainda que a história apresente alguns tropeços ao longo do caminho, há sempre algo que compensa a persistência: a entrega total de sua protagonista.
Rhea Seehorn interpreta Carol Sturka, escritora amargurada que vive de publicar romances da linha trash. De forma abrupta, a realidade entra em colapso e todos ao redor parecem mudar instantaneamente, menos Carol. O planeta inteiro passa a conhecê-la, mas não de um jeito acolhedor. Promessas de felicidade eterna surgem de todos os lados, mas ela se recusa a ceder. Resta entender se sua resistência pode salvar o mundo ou se o mundo sequer precisa ser salvo.
A série funciona quase como um monólogo expandido, e a protagonista domina cada centímetro do palco. Seu desempenho, já celebrado em Better Call Saul, ganha aqui outra dimensão. Carol é ríspida, sarcástica, explosiva. Ao mesmo tempo, guarda feridas profundas que a atriz revela com precisão milimétrica. Quando Pluribus alcança seus melhores momentos, é porque Rhea os faz acontecer.
Isolada em Albuquerque (EUA), cenário recorrente das obras de Gilligan, Carol se equilibra entre a dor, a fúria e uma obstinada vontade de seguir adiante. A produção flerta com a ideia de exercício cênico, e isso não é demérito: é justamente essa vocação experimental que torna a série tão instigante.
Mesmo com poucos coadjuvantes e interações breves, não se sente falta de um elenco tradicional; Carol lamenta a ausência de vizinhos e amigos. Mas, para ela, o verdadeiro inferno não são os outros: é a fusão de todos eles em uma única entidade opressiva.
No fim, Pluribus é tanto um espetáculo de ficção científica quanto um palco erguido para uma atriz em pleno domínio de seu ofício. Rhea Seehorn não somente conduz a jornada; ela a justifica. E que o Emmy possa, de uma vez por todas, reconhecer esse talento. •

João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br



