Ele pode não ter muitas habilidades louváveis, seja como gerente ou no convívio pessoal, mas Michael Scott é um bom homem de negócios. O talento do protagonista de The Office (Netflix*) foi reconhecido por um professor da prestigiada Universidade de Harvard que é especialista em negociação e preside um programa na faculdade de direito focado somente na arte de negociar, em qualquer nível ou atividade.
O professor Guhan Subramanian foi convidado pelo Wall Street Journal para analisar estratégias e técnicas de negociações observadas em várias séries, um exercício interessante sobre como isso é retratado na ficção, se condiz com a realidade ou não.
O episódio de The Office usado como exemplo é o 25º da quinta temporada, intitulado de Broke. Michael (Steve Carell) está fora da Dunder Mifflin e toca sua própria empresa, batizada de Michael Scott Paper Company, ao lado de Pam Beesly (Jenna Fischer) e Ryan Howard (B. J. Novak).
Nessa nova empreitada, o trio obteve o sucesso de tomar vários clientes da Dunder. Por outro lado, a companhia não dura nem um mês mais se os negócios não evoluírem. A Dunder também vai mal das pernas, justamente por ter perdido os clientes para Michael.
Daí entra a cena da negociação. O diretor de finanças da Dunder, David Wallace (Andy Buckley), visita Scranton e decide comprar a empresa de Michael, que mesmo precisando de um bote salva-vidas faz jogo duro no embate.
Michael nem sequer ouve a primeira oferta de Wallace, o que o professor Subramanian aponta como erro. “Simplesmente não faz sentido”, esclarece o acadêmico. “No geral, a primeira oferta tem de estar na mesa [de negociação], principalmente se você estiver na posição de vendedor.”
O professor cita um termo técnico chamado de Efeito Âncora, que dá ao vendedor um pouco de vantagem ao tentar fechar o acordo em um valor alto. Mas segundo Michael, “nunca aceite a primeira oferta”, conforme diz para Howard.
Wallace reage oferecendo o que seria a segunda oferta: 12 mil dólares. “Está brincando?”, rebate Michael. “Isso é insultantemente baixo. Nem sequer quero escutar qual seria a primeira oferta.”
Meio sem paciência, o diretor de finanças dispara: “Esta é a situação. Sua empresa tem quatro semanas. Conheço este negócio. Sei o que os fornecedores cobram. Sei que você não pode estar fazendo muito dinheiro. Sei que não podem continuar assim. Tenho certeza que está com medo, provavelmente endividado. Esta é a melhor oferta que vai receber.”
Michael devolve a agressividade de Wallace com o movimento elogiado pelo professor Subramanian: Batna (em inglês), termo criado em Harvard e utilizado para categorizar a estratégia de traçar o melhor caminho alternativo para um acordo negociado, caso não haja chance de um aperto de mão. Ou seja, o que vai acontecer com o outro lado se um acordo não sair.
No caso, Wallace expôs Michael, mostrando a ele que a coisa estava ruim para a sua empresa. Mas chegou a vez de Michael expor a situação delicada de Wallace.
“Sua companhia está perdendo clientes aos montes. Você tem uma reunião de acionistas aproximando-se. E terá que explicar por que sua filial mais rentável está sangrando. Então, talvez eles vão procurar uma mudança no departamento de finanças. Assim, não acho que eu deva esperar pela Dunder Mifflin. Acho que devo só esperar você [vazar].”
Wallace sentiu o baque, pois Michael falou a real. E a oferta mudou (e aumentou): passou a ser de 60 mil doláres.
“Michael foi muito bem nessa jogada, coisa de almanaque mesmo, sobre como se portar em uma negociação”, elogiou o professor. “Quer dizer, o valor a ser pago foi multiplicado por cinco! Michael foi bem preciso e correto nessa etapa da negociação.”
*Além da Netflix, The Office está disponível (completa) na HBO Max, no Prime Video e Paramount+
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João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br