
Nesta quarta-feira (6), a Netflix lançou a primeira parte da segunda temporada de Wandinha. O dia da semana não foi escolhido por acaso. Afinal, em inglês, wednesday significa quarta-feira, mesmo dia da semana que a segunda parte da atual leva entrará na plataforma do tudum (3 de setembro).
Por que, então, Wednesday é chamada de Wandinha no Brasil, tanto a série quanto a personagem? Claro que “Quartinha” seria esquisito, mas por qual motivo não foi usado o nome Wednesday mesmo? A origem disso é complexa e tem como culpada, no bom sentido, a boa dublagem brasileira, sempre preocupada em adaptar nomes de séries, filmes e de personagens para o linguajar nacional mais popular.
Registra-se, antes de tudo, que o nome original da personagem no Brasil é Vandinha, com “V”. O “W” é capricho da Netflix, com o intuito de ao menos ter alguma similaridade com o título em inglês.
Wednesday = Wandinha
A personagem Wednesday Addams, eternizada como a filha soturna e de olhar impassível da excêntrica Família Addams, ganhou o nome de Wandinha* no Brasil como resultado da tradição arraigada na dublagem tupiniquim de adaptar nomes estrangeiros com o objetivo de torná-los mais acessíveis ou sonoros ao público local, prática comum sobretudo entre as décadas de 1960 e 1990.
*vamos aqui usar a grafia da Netflix*
No país tropical abençoado por Deus, todo mundo só conhece Patolino (e não Daffy Duck, no inglês), Tico e Teco (e não Chip e Dale), e por aí vai. Séries foram, aos montes, alvos dessa abrasileirada ao longo dos tempos.
Tem Punky, a Levada da Breca (1984-1988), cujos personagens foram batizados de Arthur (Henry), Luiza (Betty), Cátia (Cherry)… Tem a comédia Primo Cruzado (Perfect Strangers, 1986-1993), cujo personagem Balki virou Zeca, caipira de Minas Gerais, que cantava músicas nacionais como o Ilariê, da Xuxa… E tantos outros exemplos.
Voltando à Wednesday/Wandinha. A origem da personagem remonta às tirinhas criadas por Charles Addams na revista The New Yorker, a partir dos anos 1930. No entanto, foi só na adaptação televisiva de 1964, exibida originalmente pela ABC nos Estados Unidos, que a filha do casal Gomez e Mortícia ganhou o nome Wednesday.
A inspiração veio de um trecho de um poema infantil inglês: Wednesday’s child is full of woe (A criança de quarta-feira é cheia de aflições); “woe” pode significar também pesar, desgosto. O nome remete diretamente à melancolia que define a personalidade da menina, cuja morbidez é expressa com humor seco e olhar clínico para o absurdo.
No poema que tem esse trecho, crianças são rotuladas conforme cada dia da semana. Wandinha nasceu na sexta-feira (13, claro). Mas quem nasce na sexta, de acordo com o poema, “é amável e generosa”, perfil que não se encaixa na personagem. Quarta-feira é o dia certeiro de identificação.
Na versão brasileira da série A Família Addams, os estúdios de dublagem optaram por batizar a personagem de Wandinha, uma escolha que não tem equivalente semântico com o original, mas seguia uma lógica informal da época: suavizar nomes estrangeiros que poderiam parecer estranhos ou difíceis de pronunciar.
A sonoridade de Wandinha era considerada mais familiar e afetuosa ao ouvido brasileiro.
A permanência do nome adaptado na série da Netflix revela não apenas a força da memória afetiva, mas também como determinadas escolhas de tradução podem atravessar gerações, ganhando autonomia em relação ao original. •

João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br