Excelente drama policial da HBO, Millie Black é mais do que uma série de detetives que investigam casos de pessoas desaparecidas. A atração gravada na Jamaica, além de criticar com veemência a raiz escravocrata que segue firme e forte no país, expõe a violência que gays e pessoas trans sofrem no dia a dia. Tudo devido a leis anti-LGBTQIA+ que datam dos anos 1800.
Millie Black é uma minissérie composta de seis episódios. Nesta segunda-feira (9), às 23h, entra no ar o terceiro capítulo, no canal premium. A série também pode ser vista no streaming Max (estará completa por lá a partir de 24 de dezembro).
Millie Black oferece esse olhar ao mundo para que todos possam sentir como boa parte da população queer vive amedrontada naquele pedaço do Caribe. De forma proposital, o cineasta jamaicano Marlon James, criador do drama policial, desenvolveu uma história distante de estereótipos extremos sobre a ilha.
“Acredito que representações da Jamaica que são 100% negativas são tão ruins quanto aquelas que são 100% positivas. Nenhum dos dois é suficientemente realista”, comentou, em entrevista ao site The Hollywood Reporter. Então, foi elaborada uma trama mostrando um lado nada romântico da nação.
Muitos coletivos mundiais do movimento LGBTQIA+ consideram a Jamaica como o país mais hostil contra pessoas queers. O ato de sodomia, entre homens, pode acarretar condenação severa; relações lésbicas são permitidas. A defesa do governo é que essa lei antigay de 1864 nunca foi aplicada de fato nos dias atuais, mas ativistas dizem que somente o fato dela existir no código penal do país alimenta a homofobia e a violência contra pessoas trans.
A personagem central de Millie Black liga esses dois pontos da comunidade. Trabalhando na Inglaterra como integrante da Scotland Yard (polícia metropolitana de Londres), Millie-Jean Black (Tamara Lawrance) é forçada a sair do agrupamento. Ao retornar à Jamaica, sua terra natal, ela passa a trabalhar na polícia local como detetive.
Seu colega de viatura é Curtis (Gershwyn Eustache Jnr), homem gay que vive com seu parceiro. Enquanto lida com os casos de pessoas desaparecidas que investiga, Millie Black tenta fazer as pazes com Hibiscus, sua irmã trans que vive pelas ruas de Kingston, capital da Jamaica.
O drama detalha experiências de Curtis e Hibiscus. No caso do policial, o relacionamento amoroso que nutre é mantido no mais absoluto segredo. Se entre quatro paredes tudo ocorre bem, no mundo exterior a situação é nada tranquila, condição explorada nitidamente quando Curtis é ferido durante uma operação policial e seu parceiro não pode visitá-lo no hospital.
Com Hibiscus, o retrato ganha traços de agressão física. Em certa noite, ela caminha ao lado de colegas quando homens as encurralam. A emboscada foi armada para provocar um espancamento grupal, utilizando pedaços de madeira como armas. Uma amiga de Hibiscus morreu nesse ataque violento e covarde; bastante ferida, a irmã de Millie conseguiu escapar.
Drama policial diferente de qualquer outro, Millie Black é uma série imperdível. É a Jamaica como poucos conhecem, feita por quem nasceu lá, não fruto de um olhar de turista. A realidade é dura, cruel, mas que merece esse tipo de impressão.
“Às vezes, o problema é que começamos a esperar [simplicidade] do entretenimento que vem do [rotulado] Terceiro Mundo”, disse Marlon James. “Esperam algo simplista ou pastelão, com todo mundo bebendo uma cerveja olhando o sol se pôr. O problema com isso é que cria a ideia de que uma arte profunda e complicada não pode surgir das histórias mais reais e cruas.”
A atriz Tamara Lawrance destacou a importância de evidenciar “as lutas, a violência, a homofobia e a transfobia que ainda existem na Jamaica” em plataformas como a HBO e o streaming Max. •
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br