CÓDIGO PENAL

Caso Irmãos Menendez: até 2009, Brasil não admitia homem como vítima de estupro

Legislação mudou, mas nem 10% das vítimas denunciam o crime
DIVULGAÇÃO/NETFLIX
Nicholas Chavez em Monstros: Irmãos Menendez
Nicholas Chavez em Monstros: Irmãos Menendez

Líder de audiência na Netflix na última semana, a minissérie Monstros – Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais retrata o famigerado true crime no qual os irmãos Erik e Lyle mataram os próprios pais, em 1989. O drama, entre outras coisas, joga luz em um assunto tabu e pouco comentado, algo que a legislação brasileira só passou a reconhecer a partir de 2009: homem como vítima de estupro.

Em entrevista ao site E! News, o showrunner Ryan Murphy, principal produtor-executivo da série, comentou que a segunda temporada de Monstros propõe “uma conversa sobre algo que nunca é falado em nossa cultura, que é o abuso sexual masculino”. Não faz muito tempo que meninos e homens eram desacreditados quando diziam ser vítimas de tal ato.

No Brasil, a situação legal só foi alterada há 15 anos. O Código Penal sofreu uma mudança no artigo 213, sobre o crime de estupro, de “constranger mulher” para “constranger ALGUÉM [destaque do autor], mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. Antes, o estupro de homens era enquadrado como atentado violento ao pudor, com penas menores.

Em 2022, a PNDS (Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde) fez uma pesquisa que chegou à seguinte conclusão: 1,8 milhão de meninos e homens foram vítimas de crimes sexuais, mas apenas 9% deles denunciaram. Para a advogada Marilia Golfieri Angella, sócia-fundadora da firma Marília Golfieri Angella – Advocacia Familiar e Social, o machismo está na fonte do problema.

“Além da ainda muito recente mudança do gênero no texto do código penal, há uma imensa subnotificação dos casos de violência sexual contra meninos”, comenta a especialista em direito de família, gênero, infância e juventude, mestre em processo civil pela Faculdade de Direito da USP. “[Isso ocorre] muito por causa da preocupação das famílias de que tais crianças sejam classificadas como homossexuais e sofram ainda outros tipos de violências.”

Há outros fatores destacados pela advogada, que questiona como os órgãos púbicos (jurídicos ou não) olham para essa questão nos dias atuais. “Em 2018, por exemplo, o Ministério do Esporte em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres (SPM), lançou uma campanha de combate à violência sexual contra as atletas, sem nenhuma menção a esportistas do sexo masculino, quando já se tem conhecimento de denúncias de assédio contra meninos em escolinhas de futebol.”

A falta de centros de acolhimento específicos para vítimas do sexo masculino no Brasil é um agravante. Essas ocorrências são, em geral, direcionadas a delegacias especializadas da mulher ou de proteção à criança e ao adolescente. Mesmo os Cepavs (Centros de Especialidade para Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual, Familiar e Doméstica) não têm um direcionamento específico para o público masculino.

Para Angella, a série Monstros: Irmãos Menendez e o debate instaurado em volta dela indicam um caminho importante no combate à violência sexual, em especial quando tratamos de crianças e adolescentes. “A informação é uma importante aliada no combate à violência sexual e, no caso de crianças e adolescentes, todos nós somos corresponsáveis, juridicamente falando, pela sua proteção, seja física ou mesmo psíquica”, enfatiza.

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