
A segunda temporada de Ninguém Quer, já disponível na Netflix, destrincha uma etapa importante de um relacionamento amoroso: primeiro as pessoas se apaixonam, depois elas precisam conviver. Essa fase fica mais complicada quando de um lado está uma agnóstica e do outro, um rabino nada convencional.
Os novos episódios testam se a química entre Joanne (Kristen Bell) e Noah (Adam Brody) sobrevive ao dilema central da trama. Fundamentalmente, de fato, o casal só vai dar certo se ela se converter ao judaísmo.
[Atenção: spoilers a seguir]
Após uma conversa franca sobre o futuro, Joanne e Noah se veem em posições opostas de uma mesma dúvida: como seguir juntos quando a fé (ou a ausência dela) se torna o principal obstáculo?
Ele, comprometido com os preceitos do judaísmo, teme abrir mão de algo essencial à sua identidade. Ela, determinada a não se transformar apenas para agradar alguém, tenta entender se a conversão é realmente o que deseja. “Noah não pode ficar com Joanne a menos que ela se converta, mas não quer que isso aconteça por causa dele”, resume Kristen Bell, em entrevista à Netflix. “Já Joanne quer estar com ele, mas sem renunciar a quem é.”
O desfecho acontece durante a desastrosa festa de noivado da irmã de Joanne, Morgan (Justine Lupe), que, em cima da hora, desistiu de se casar com o próprio ex-terapeuta, doutor Andy (Arian Moayed). O evento, realizado em um luxuoso salão de Los Angeles, reúne também o irmão de Noah, Sasha (Timothy Simons), e sua mulher, Esther (Jackie Tohn), outro casal em crise.
A celebração, repleta de sorrisos forçados, funciona como espelho para todos: cada personagem enfrenta, à sua maneira, um abalo de fé, seja na religião, no amor ou em si mesmo.
Ao longo da atual temporada de Ninguém Quer, Joanne tenta compreender se há, dentro dela, espaço para o judaísmo. A criadora da série, Erin Foster, explica que a personagem vive um conflito interno entre o desejo de pertencimento e o medo de falsidade. “Ela quer sentir, mas não sabe como. Busca algo que lhe ofereça estrutura, propósito, valores e tradição; e o judaísmo pode representar tudo isso.”
Enquanto Noah tenta racionalizar o dilema, afinal, como rabino, é acostumado a dar conselhos, não a se perder em dúvidas, Joanne se aproxima gradualmente do universo judaico sem perceber. Seus questionamentos, seu senso de análise e até seu humor passam a refletir traços dessa cultura e religião. “Ela espera uma revelação divina, como se Deus fosse descer do céu e anunciar: ‘Agora você é judia’”, comenta Foster.
A narrativa inverte o que aconteceu no final da primeira temporada. Se antes foi Noah quem correu atrás de Joanne, agora é ela quem o procura para compartilhar sua descoberta. Ele, por sua vez, está prestes a fazer o mesmo. Os dois se reencontram em uma cena que resume toda a trajetória do casal.
Contrariando as expectativas, Noah declara que nada mais importa: “Você é minha alma gêmea. Eu não me importo se você é judia ou não. Eu escolho você, sempre.” Joanne sorri e responde, com ironia sutil: “Então você está com sorte.” O beijo que encerra a temporada elimina qualquer dúvida: o amor, afinal, fala mais alto do que as crenças.
Segundo Foster, a intenção dos roteiristas foi encerrar com romantismo, não com dogma. “Queríamos terminar com o amor, não com a religião. A mensagem é clara: ele a escolhe como ela é.”
A conversão protocolar ao judaísmo de Joanne deve ficar para uma possível terceira temporada de Ninguém Quer (a Netflix ainda não anunciou a renovação da série). •

João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br



