O que dizer de uma série com final inconclusivo? Se para algumas atrações isso pode assegurar um lugar na lista das piores, com The Curse (Paramount+) funciona ao contrário. O arremate para lá de bizarro coroou a trama, fazendo jus ao que foi apresentado até então. E o telespectador fica com a missão de interpretar, à sua maneira, o significado do desfecho.
Explicar o último episódio de The Curse, de forma definitiva, é impossível. As possibilidades são inúmeras e cada pessoa tem como interpretar aquilo da maneira que achar ideal. Afinal, ali prevalece o surrealismo, o que é preciso levar em consideração durante a tarefa de tentar decodificar a amarração da história.
Como aponta o título da série, uma maldição (curse, em inglês) assombra Asher (Nathan Fielder), o que de tabela atinge sua mulher, Whitney (Emma Stone, em atuação brilhante). A possível zica não poderia ter chegado em um momento pior, pois o casal está 100% concentrado na gravação de um programa televisivo sobre construção e reforma de casas, erguendo um imóvel rotulado amigo do meio-ambiente por ser, supostamente, sustentável e “verde”.
Após receber o feitiço jogado por uma menina, Asher desconfia que tudo o que dá errado em sua vida, ou da mulher, é resultado da praga. A narrativa trafega em uma gangorra mostrando que os infortúnios do protagonista pode ser sim resultado da maldição, ou nada se passa de coisas naturais da vida, consequências de suas atitudes vacilantes mesmo.
Paralelo à jornada do programa de TV, o casal tenta emplacar uma gravidez. Durante esse caminho, percebe-se que Whitney não tem lá tanto apreço por Asher. A relação entre os dois é bastante conturbada e frágil.
Nesse ponto, The Curse esbanja sagacidade. Quando as câmeras estão ligadas, para a gravação do programa de TV, Whitney e Asher são só sorrisos, uma performance teatral e over para mostrar que são um casal feliz, animados e tudo mais.
Nos bastidores, porém, não é bem assim, com discussões diversas e atritos belicosos. Quando mostra essas cenas longe dos holofotes, a série opta por colocar câmeras escondidas, sempre atrás de algo ou bem afastadas, para passar essa impressão de descortinar. Daí, eles revelam quem realmente são.
The Curse e o final fora da caixinha
[Atenção: spoilers a seguir] No último episódio, tudo está bem. O vento levou o tal feitiço, parecendo ser só fruto da cabeça de Asher, nada real. O programa não só aconteceu, mas foi renovado para a segunda temporada. E Whitney está grávida, prestes a dar à luz. Mas o final tipo felizes-para-sempre não é a cara de The Curse.
Da noite para o dia, Asher acorda dormindo no teto do seu quarto, com Whitney atônita, deitada na cama, testemunhando aquele absurdo diante de seus olhos. Simplesmente a gravidade não mais atua em Asher, que é puxado para cima. Enquanto Whitney vai para o hospital ter o nenê, às pressas, o marido não consegue vencer a força contrária à da gravidade e acabar morrendo ao ser sugado para além da atmosfera, voando pelos ares.
Entra em cena, então, a interpretação de cada telespectador. Seria esse o livramento à lá Marquezine de Whitney, ficar sem o marido enchendo o saco após ele cumprir a missão de engravidá-la? A maldição, definitivamente, pegou Asher, que não desfrutará as glórias do programa nem será pai? O desfecho trata sobre maternidade? Ou é o mundo se livrando de uma pessoa má e falsa, com Whitney sendo poupada somente porque acabou de ser mãe, gerando uma nova vida capaz de se redimir?
The Curse abre um leque com essas e tantas outras alternativas de entendimento de sua moral. Esse tipo de solução funciona para uma série como essa, experimental e ousada que tem como base a provocação.
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
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