ROBIN HOOD DO SERTÃO

Crítica: faroeste brasileiro, Cangaço Novo enaltece o típico anti-herói

Ubaldo Vaqueiro apimenta o debate sobre torcer a favor de herói fora da lei
DIVULGAÇÃO/PRIME VIDEO
Allan Souza Lima com Marcelia Cartaxo em Cangaço Novo
Allan Souza Lima com Marcelia Cartaxo em Cangaço Novo

Séries como Cangaço Novo, faroeste brasileiro do Prime Video, colocam o telespectador em uma encruzilhada: o que fazer com o protagonista anti-herói maquiavélico? A série nacional imperdível esmiúça a dicotomia típica do personagem estilo Robin Hood, que rouba dos ricos para dar aos pobres. Se em uma ponta está a ajuda aos mais necessitados, aqueles marginalizados pelo sistema, na outra estão ações criminosas, fora da lei.

O objeto de debate é Ubaldo Vaqueiro (Allan Souza Lima). Sua vida em São Paulo, capital, está péssima, combo de expulsão do Exército com demissão do banco onde trabalhava. Soma-se a isso dívidas acumuladas e o pai acamado no hospital, vítima de doença rara.

Uma benção travestida de maldição (ou vice-versa) chegou via Correios. Ubaldo fica sabendo que herdou umas terras no interior do Ceará, na cidade (fictícia) de Cratará. Ele decide arriscar e ver do que aquilo se trata.

Pisando no solo quente do sertão, Ubaldo descobre sua família verdadeira. O pai biológico foi uma espécie de Lampião. Uma de suas duas irmãs, Dinorah (Alice Carvalho), faz parte de gangue de ladrões de banco. Invariavelmente, Ubaldo, que só queria pegar seu dinheiro e voltar para São Paulo, é atraído ao mundo do crime como se aquele fosse seu destino. Não apenas herdar terras da família, mas seguir os passos do pai e liderar os novos cangaceiros.

Allan Souza Lima com Alice Carvalho em Cangaço Novo
Allan Souza Lima com Alice Carvalho em Cangaço Novo

Chefe de quadrilha ou herói do povo?

Por ver em Ubaldo a “cara cuspida” do pai mítico, o povo de Cratará se intimida. É como se ele fosse a Segunda Vinda, o retorno do ser messiânico para livrar todos da miséria que assola o lugar.

Há uma compaixão genuína no protagonista, mesmo em situações de extrema tensão. Ele se comove facilmente, revelando traços de humanidade dentro do crime.

Durante assalto a um banco, ele reprime comparsas pro causa de agressões contra reféns inocentes e questiona as decisões de colocar pessoas simples como escudo para protegê-los. Ubaldo enfatiza que o alvo dos ataques tem de ser os bancos e as pessoas poderosas, poupando os trabalhadores.

Como tem conhecimento de confrontos à bala (passagem pelo Exército) e vivência em bancos, ele vê a oportunidade da vida no crime ser uma saída da miséria. E ao assumir a liderança da gangue, determina que as coisas têm de ser feitas diferentes, sem tocar o terror e humilhar/agredir pessoas indefesas.

Cangaço Novo embaralha ainda mais essa questão do anti-heroísmo em Ubaldo ao introduzir o núcleo dos políticos de Cratará e região. Eles agem para comprar terras, férteis ou não, visando um controle total da cidade, principalmente na questão da água. Desabrigar gente humilde não os comove. O povo é obstáculo e massa de manobra, apenas.

Daí entra Ubaldo, que com o dinheiro dos assaltos entra nessa guerra de terras e acolhe quem está sem teto, alimentando a magia em torno de seu ser.

Então, quem é o vilão mesmo da história? Às vezes, o tirano não usa armamento pesado. O crime pode ser cometido sob ar-condicionado, na base da caneta e sem disparar uma bala sequer. 

A comparação entre Ubaldo e Lampião, guardada as devidas proporções, é válida no sentido de que o lendário cangaceiro da vida real até hoje divide opiniões, quase 90 anos após sua morte. 

A pergunta pode até ser simples -herói ou vilão?-, entretanto a resposta é complexa quando se analisa todos os lados da história. E Cangaço Novo, com muita precisão, joga outros temperos nessa discussão, resultado de uma trama bem articulada.


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