Entre cenas de sexo gay quentíssimas, a série Companheiros de Viagem (Paramount+) dá uma aula de história que não se aprende nos livros didáticos. O drama romântico e político explora um período sombrio, nos Estados Unidos dos anos 1950, para pessoas homossexuais. O FBI, a polícia federal americana, passou a perseguir gays e lésbicas, principalmente dentro do governo, em nome da segurança nacional e com aval da Casa Branca e do Congresso. Mas por quê?
A narrativa de Companheiros de Viagem vai até o final da década de 1980, seguindo os passos de Hawkins Fuller (Matt Bomer) e Timothy Laughlin (Jonathan Bailey), dois homens gays que trabalham nos bastidores da política em Washington, capital dos EUA.
O ponto de partida da trama é justamente a época em que, na vida real, gays e lésbicas passaram a ser importunados por políticos, com agentes do FBI fazendo o trabalho sujo nas investigações. Em plena Guerra Fria (1947-1991), políticos americanos, especialmente do Partido Republicano, caçavam comunistas na base da paranoia. Os homossexuais foram tratados da mesma forma.
Se na escola isso não é ensinado, um livro serve como farol. O historiador David K. Johnson escreveu The Lavender Scare, obra cujo título faz referência ao “medo da lavanda”; lavanda é como alguns políticos, de forma pejorativa, chamavam homens gays naquela época, meados dos século 20. Johnson destrinchou como foi orquestrada a perseguição contra gays e lésbicas no governo americano.
A suposta ameaça dos ‘depravados’
Bem ali no início da Guerra Fria, os EUA viviam uma cruzada moral em prol dos ditos bons costumes. Gays e lésbicas eram tratados como ameaças à segurança nacional por, supostamente, serem simpatizantes comunistas. Por isso a caçada para retirá-los de cargos em qualquer esfera governamental.
A retórica política linkava “vermelhos” e homossexuais como tendo crenças comuns, de rejeitar o cristianismo a se opor aos valores da “família tradicional”. Eram vistos como perturbados psicologicamente e fracos moralmente.
Em linhas gerais, gays eram vistos como mais fáceis de serem manipulados e coagidos, de onde viria a justificativa de serem uma ameaça à nação americana. Nessa caça, as lésbicas sofriam menos assédio, mas foram interrogadas e perderam empregos assim como os gays.
O segundo episódio de Companheiros de Viagem mostra detalhes de um interrogatório. Duas lésbicas, que trabalham para o governo americano, moram juntas e formam um casal. Mas elas se comportam publicamente como amigas que dividem um apartamento, nada mais. Agentes perguntam a elas todo tipo de coisa, inclusive intimidades, para saber se realmente são um casal ou não.
Não há um número exato de quantas pessoas homossexuais ficaram desempregadas por causa dessa “caça às bruxas”. Estima-se algo em torno de 60 demissões por mês, podendo chegar a 10 mil pessoas.
E isso tudo era público, nada feito às escondidas, com direito à entrevistas para a imprensa e audiências no Congresso. Como Companheiros de Viagem mostra, o movimento foi liderado pelo senador republicano Joseph McCarthy, criador do chamado Macarthismo. Ele era um declarado perseguidor de comunistas e abraçou a luta contra os homossexuais. Tinha político, inclusive, que dizia que os “pervertidos sexuais” eram mais “perigosos do que os comunistas.”
Por outro lado, ninguém defendia publicamente os homossexuais, nem o Partido Democrata, considerado progressista e de esquerda no espectro político.
A perseguição não parou nos anos 1950, oficialmente indo até meados da década de 1970, quando o programa foi oficialmente descontinuado. Mas somente em 1995 que, após assinatura do presidente americano Bill Clinton, uma ordem foi decretada impedindo que qualquer órgão federal e governamental agisse contra gays e lésbicas somente por causa da respectiva orientação sexual.
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
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