
Produção nacional da HBO que está conquistando o público, Ângela Diniz: Assassinada e Condenada vai além da trajetória de vida da socialite que impactou o Brasil. A trama também mostra o que aconteceu depois de sua morte, acompanhando um julgamento que serve como retrato da sociedade brasileira do final dos anos 1980.
Com Marjorie Estiano (Sob Pressão) na pele de Ângela Diniz, o true crime nacional, composto por seis episódios, tem como base o podcast Praia dos Ossos, que reconstituiu o assassinato da socialite. O roteiro ficou por conta de Elena Soárez (O Mecanismo, Treze Dias Longe do Sol), com direção de Andrucha Waddington (Amor e Sorte, Sob Pressão).
Quem foi Ângela Diniz?
Ângela Maria Fernandes Diniz nasceu em 10 de novembro de 1944, em Curvelo (MG), filha de Newton Viana Diniz e Maria do Espírito Santo Fernandes Diniz. Ainda muito jovem, destacou-se nos ambientes sociais mineiros, onde sua presença chamou atenção a ponto de render apelidos como “Pantera de Minas”, expressão que traduzia a forma como sua personalidade independente e seu estilo de vida eram vistos à época.
Aos 17 anos, casou-se com o engenheiro Milton Villas Boas, então com 31. O casamento, que durou quase uma década, resultou em três filhos e terminou em desquite, único meio legal de separação então, já que o divórcio pleno ainda era proibido no País.
Depois que se mudou para o Rio de Janeiro, Ângela passou a circular entre nomes influentes da alta sociedade e adotou um modo de vida marcado por elegância, autonomia e atitudes que, para muitos, afrontavam a moral tradicional daquele período.
Relacionamento com Doca Street
Foi nesse contexto que, no fim de 1976, ela iniciou um relacionamento curto e conturbado com o empresário paulistano Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street. A relação, permeada por crises de ciúme, conflitos constantes e por uma dependência financeira dele em relação a ela, evoluiu para um clima de tensão crescente.
Essa tensão desembocou na noite de 30 de dezembro de 1976. Na casa de praia de Ângela, na Praia dos Ossos, em Armação dos Búzios (RJ), uma discussão sobre o fim do relacionamento terminou de forma trágica: Doca Street sacou uma arma e efetuou quatro disparos (três no rosto e um na nuca) matando Ângela imediatamente. Após o crime, abandonou a arma ao lado do corpo e fugiu, entregando-se apenas semanas depois.
Impacto e julgamento
A morte da socialite gerou forte reação pública, mas também evidenciou o quanto a violência contra mulheres era relativizada no Brasil. Parte significativa da imprensa, do público e até das instâncias jurídicas optou por enquadrar o caso como “crime passional”, desviando o foco da brutalidade do feminicídio para julgamentos morais sobre a vítima.
O primeiro julgamento ocorreu em 1979. Defendido por Evandro Lins e Silva, Doca apoiou-se na tese da chamada “legítima defesa da honra”, argumento que sugeria que a atitude da vítima teria provocado o homicídio. O júri acolheu a linha de defesa, e a condenação foi de apenas dois anos, com direito a sursis, o que, na prática, significou que ele deixou o tribunal em liberdade.
A decisão provocou revolta em diversos setores da sociedade e impulsionou o movimento feminista brasileiro. O slogan “quem ama não mata”, que tomou as ruas naquele período, virou símbolo da luta contra a naturalização da violência de gênero.
Pressionado pela repercussão, o caso voltou ao tribunal em 1981. Dessa vez, Doca Street foi condenado a 15 anos de prisão, embora tenha obtido liberdade condicional anos mais tarde. Em 2020, morreu aos 86 anos, após sofrer uma parada cardíaca.
A história de Ângela Diniz permanece como um marco no debate sobre feminicídio no Brasil e segue sendo revisitada por reportagens, documentários e dramatizações. De programas jornalísticos, como o Globo Repórter, à minissérie Quem Ama Não Mata (1982), e até o retorno do caso em uma edição do programa Linha Direta, em 2003, sua trajetória segue ecoando na memória do País. •

João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br



