
A série House of Guinness, lançada pela Netflix na última quinta-feira (25), é mais do que uma história biográfica sobre a família por trás da icônica cervejaria Guinness. O drama de época traz os fenianos como figuras centrais da narrativa, abordando questões sensíveis entre o povo irlandês, como religião e política.
O movimento feniano, surgido na Irlanda e nos Estados Unidos a partir de meados do século 19, teve como objetivo declarado a completa independência irlandesa do domínio britânico. Com nome inspirado na mitologia celta, o grupo acreditava em ações armadas e missões clandestinas para alcançar o que desejavam.
Inspirados pelos exemplos revolucionários americanos e franceses e motivados pelas duras injustiças do governo inglês, nacionalistas irlandeses tentaram, sem sucesso, vários levantes armados, como o de 1848 promovido pelos Young Irelanders. Cada tentativa anterior, porém, encontrava uma resposta implacável das forças britânicas.
A proposta dos fenianos despertou muito entusiasmo, apesar de derrotas em embates. Sua mensagem antibritânica ecoou não apenas na Irlanda, mas encontrou ressonância nas comunidades irlandesas católicas nos EUA, marcadas por memórias vivas de perseguição e pela catástrofe da Grande Fome, que entre 1845 e 1852 dizimou mais de três milhões de pessoas e forçou uma emigração em massa, principalmente para a América.
Dois líderes se destacaram na fundação do movimento: James Stephens, em Dublin, e John O’Mahony, em Nova York, ambos veteranos do levante de 1848. Dez anos depois, uniram forças numa aliança transatlântica para criar a Irmandade Republicana Irlandesa (IRB).
Inspirado na mitologia celta, O’Mahony adotou o termo “feniano”, associado a guerreiros lendários comprometidos em defender a Irlanda, nome que rapidamente se tornou o símbolo tanto da organização no país natal quanto em solo americano.
Sob o comando de Stephens, círculos do movimento se multiplicaram na Irlanda, enquanto nos EUA arrecadavam fundos para armar e transportar voluntários. Após o fim da Guerra Civil americana, em 1865, cerca de 150 mil veteranos irlandeses do Exército da União estavam disponíveis para a causa.
Em setembro daquele ano, Stephens preparava uma revolta em Dublin (Irlanda), com milhares de seguidores prontos para agir. Entretanto, um traidor na equipe delatou o plano, e tropas britânicas prenderam a maioria dos líderes. Stephens escapou, mas a tentativa irlandesa desmoronou, transferindo a responsabilidade da luta para os militantes americanos.
Nos EUA, a liderança de O’Mahony passou a ser contestada por suposta indecisão. Ele foi substituído por William R. Roberts, que nomeou Thomas W. Sweeny, veterano da Guerra Civil, como secretário de guerra.
O plano de Roberts era audacioso: atacar o território canadense, então pouco defendido, para forçar a Grã-Bretanha a negociar a independência da Irlanda em troca da devolução do Canadá. Sweeny elaborou uma ofensiva em múltiplos pontos da fronteira norte-americana, contando com apoio dos irlandeses e franceses católicos da região de Quebec.
A realidade, porém, se mostrou adversa. O governo americano, embora ressentido com a Inglaterra, interveio para impedir os ataques, bloqueando suprimentos e prendendo líderes fenianos.
As incursões de junho de 1866, incluindo a batalha de Ridgeway, em Ontário (Canadá), tiveram sucesso apenas momentâneo e terminaram em fracasso. Tentativas subsequentes, em 1867 e 1871, repetiram o mesmo destino.
O movimento feniano acabou enfraquecido, afetado por planejamento equivocado, resistência da Igreja Católica à violência, mudanças na política americana e ações de espiões que informavam autoridades britânicas e canadenses.
A iniciativa, apesar da determinação de seus líderes, marcou uma derrota estratégica, encerrando a influência da organização entre os irlandeses da América do Norte.
No território irlandês, o legado do grupo manteve acesa a chama da liberdade e da resistência à opressão. O espírito militante dos fenianos, bem como a atuação de muitos de seus integrantes, sobreviveu em sociedades secretas como o Clan na Gael e, mais tarde, no Exército Republicano Irlandês (IRA), que, já no início do século 20, abriria caminho para a independência irlandesa. •

João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br