Começou muito mal a expansão internacional da comédia espanhola Machos Alfa. A versão francesa, batizada de Supermachos, já está disponível na Netflix, a primeira de quatro novas atrações da franquia; vêm aí adaptações feitas na Alemanha, Itália e Holanda. E esse pontapé inicial não poderia ter sido pior.
Supermachos é terrivelmente péssima. Não é engraçada, a história é frágil, peca pela superficialidade (não aprofunda os temas acerca da masculinidade), as atuações são horrorosas, desperdiça o pano de fundo parisiense (copiar Emily em Paris seria útil)… Enfim, é uma comédia de erros.
O desastre se dá justo no coração da trama. Em Machos Alfa, os quatro amigos que são típicos machões dos tempos da pedra decidem, por vontade própria, participar de um curso para desconstruir a tal da masculinidade tóxica, ponto de partida para as principais confusões hilárias em que eles se metem. É a saída para decifrar os questionamentos acerca do combalido patriarcado.
Já em Supermachos, os quatro amigos em questão também vão para um curso do mesmo tipo, mas entram de forma forçada, somente pela circunstância de terem sido presos por causa de um ato de vingança iniciado por um deles (foi quebrar o carro do novo namorado da ex-mulher). A pena pelo vandalismo é participar das aulas para “curar” o homem intoxicado.
Detalhe que nem isso é abordado como deveria por Supermachos. É uma passagem furtiva por algo que teria de ditar a narrativa inteira. Os termos que circundam a masculinidade tóxica são analisados de maneira infantil. No final das contas, são tópicos apenas mencionados, jogados no ar. Esqueceu-se de dar o tratamento devido, como bem executa Machos Alfa.
Evidentemente, a comparação entre uma série e outra é inevitável. Machos Alfa dá uma verdadeira aula sobre as relações atuais entre homens e mulheres, homens e homens, mulheres e mulheres. A série espanhola detona o mal-estar da masculinidade com humor ácido de qualidade, sendo cirúrgica ao dissecar a crise que acomete o homem moderno.
Já em Supermachos, questões como mulher ter salário maior do que o homem da relação, poliamor e afins, o que fazer para apimentar o casamento de quase duas décadas, insegurança masculina, vida de solteiro aos 40 anos na era dos apps de paquera… nada disso ganha a investigação minuciosa que merecia.
Machos Alfa é uma excelente obra para se ter como base. É de se lamentar o fato de Supermachos não ter aproveitado com louvor essa inspiração. Resta torcer para que as próximas três versões entreguem uma narrativa mais apurada. Nem precisa ser do mesmo nível da espanhola, porém dá para ser mais eficiente do que a francesa. •
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br