Prejudicada pela overdose de séries dos últimos tempos, Vida (2018-2020) é um dos melhores dramas que sobreviveu fora do radar na era da TV no Auge. A partir de domingo (31), a atração essencial estará disponível na Netflix, ganhando assim uma plataforma mais ampla, podendo atingir um público maior. Atualmente, está presente no nanico MGM+, dentro do Prime Video, e outrora fez parte do falido streaming Starzplay/Lionsgate+.
Vida é relevante por vários fatores. Porém, o que se destaca é a explicação detalhada e socialmente crucial sobre o que é gentrificação, mostrando todos os lados desse processo que, na essência, “muda o perfil de moradores e negócios em áreas antes proletárias, carentes ou suburbanas, que passam a receber o influxo de gente de classe média ou afluente, de maior poder aquisitivo” (dicionário Houaiss).
A trama se passa em Boyle Heights, no centro de Los Angeles (EUA). O bairro tem 90% de seus habitantes de origem latina. As personagens principais são Lyn (Melissa Barrera) e Emma (Mishel Prada), que precisam decidir o que fazer com o bar herdado após a morte da mãe. Duas opções estão em jogo: vender o estabelecimento (solução para os problemas financeiros) ou mantê-lo (tentando fazer com que gere lucro e seja um símbolo de resistência).
A especulação imobiliária assombra Boyle Heights. O lugar é alvo de uma revitalização, palavra rebuscada para descrever uma “limpeza” na identidade da comunidade. A tática nefasta é simples: ofertas de imóveis atraem a classe média abastada, isso leva ao aumento de preços das residências e comércios, resultando em um custo de vida mais elevado e culminando em alterações drásticas na composição demográfica e cultural da área.
Muitos bairros desse tipo em cidades americanas passaram (e passam) pela gentrificação. No Brasil não é diferente. Em São Paulo, a Barra Funda é um exemplo claro desse processo. O Bixiga, no centro da capital paulista, faz de tudo para resistir. Mas a instalação de uma estação de metrô no coração do bairro que expulsou a escola de samba Vai-Vai de sua sede quase centenária, berço quilombola histórico, tende a acelerar a gentrificação por lá.
A série Vida, sem panfletagem ou didatismo barato, destrincha muito bem todos esses meandros em três temporadas (22 episódios) coesas e bem estruturadas. É um olhar raro sobre como a gentrificação pode resultar na expulsão de moradores de baixa renda do bairro em que vivem há anos. Tudo por não terem mais condições de arcar com os custos crescentes de moradia e serviços provocados pela gentrificação, causando impactos sociais significativos.
Questões como representatividade latina também são discutidas em Vida. A família das irmãs protagonistas têm origem no México, e aspectos ilustres do país, como culinária e religião, ganham espaço na narrativa. O drama também é um marco por contar histórias de amor entre lésbicas, de várias idades, e ter cenas quentíssimas e apuradas de erotismo e nudez.
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
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