Vencedora do Globo de Ouro de melhor drama, Mr. Robot entra no catálogo do Globoplay nesta quarta-feira (13), com o subtítulo de Sociedade Hacker. Exibida entre 2014 e 2019, a atração cultuada está na lista das melhores séries do século 21, seja por sua crítica anticapitalista sagaz ou por ousadias de produção que injetaram um clima de cinema para a atração.
Com quatro temporadas (45 episódios), Mr. Robot explora o mundo do capitalismo com uma visão única, original e inteligente no mais alto grau possível. No centro da história está Elliot Alderson (Rami Malek), gênio em programação de computadores convocado por uma organização secreta para ser a parte-chave de um plano: derrubar o E Corp, maior conglomerado empresarial dos Estados Unidos, apagando de tabela todas as dívidas da população.
A série apresenta muitos mistérios. Todos, porém, são resolvidos brevemente, sem desvios ou indiretas. A vida de Elliot, por exemplo, guarda um segredo fundamental à narrativa, algo revelado ainda na primeira temporada. Para captar isso e mais um pouco, o telespectador precisa de atenção máxima. Ou seja, nada de distrações, como ficar mexendo no celular, durante a maratona de Mr. Robot.
O Diário de Séries elencou seis motivos para assistir Mr. Robot; veja:
Anticapitalismo inteligente
Em Mr. Robot, não há apenas uma pregação contra o capitalismo, dizendo que ele é ruim, do mal, etc. O drama esmiúça toda a perversidade desse sistema, tanto pelo ponto de vista de quem executa (empresários, homens de finanças) quanto abordando a visão de pessoas simples que vivem apenas reagindo à infame “mão do mercado”. A ganância da elite econômica sufoca a magérrima classe média.
O aspecto anarquista e rebelde não é gratuito ou jogado ao ar. Tem muita substância por trás das críticas, que miram bancos, grandes grupos empresariais… nem a cafeteria Starbucks é poupada, muito menos a Marvel e sua fábrica de filmes/séries quase iguais, saindo basicamente da mesma forma para entreter (alienar?) o povo.
A questão hacker, estampada no subtítulo, é porque essa é a arma para atacar a E Corp e fazê-la com que cumpra as demandas do grupo, como não somente sumir com as dívidas, mas doar todos os bens da companhia para instituições de caridade. Caso não cumpra as exigências, o grupo, chamado de fsociety (adaptação de fod@-$# a sociedade), promete vazar documentos e dados confidenciais da empresa e de seus funcionários.
Crítica social cortante
Junto ao anticapitalismo militante, Mr. Robot aproveita para fazer uma crítica social cortante. Uma coisa está ligada a outra, pois a trama expõe como o capitalismo adoece pessoas, nos torna maquiavélicos e transforma a sociedade em marionetes desse sistema.
Parte da crítica social está no protagonista Elliot, que fala sozinho (ou melhor, com público na quebra da quarta parede). Depressivo, ele tem fobia social. Como escape de seus distúrbios mentais, usa drogas sinistras, como morfina. Suas idas à terapia são ensaios poderosos sobre a existência.
Histórias reais
O ousado cineasta Sam Esmail, criador de Mr. Robot, consultou hackers brancos, tidos como “hackers do bem”, para inserir na trama situações fidedignas de ataques cibernéticos. Então, os códigos vistos na tela quando Elliot ou outra pessoa está cometendo um hacker são verídicos. Todo o processo foi baseado em comandos reais, emulando situações que realmente ocorreram.
Alguns arcos narrativos da série são inspirados em fatos. Um dos mais importantes se dá com a introdução de Dominique DiPierro (Grace Gummer), agente do FBI encarregada de investigar a fsociety. Boa parte da caminhada de Dominique tem base em histórias reais sobre como o FBI age contra hackers.
Estouro de Rami Malek
Antes de Mr. Robot, Rami Malek estava naquela prateleira hollywoodiana mais povoada, a dos atores cujos currículos têm de tudo, fruto de trabalho longo e árduo até beliscar um lugar sob os holofotes e dar o grande salto na carreira. E Mr. Robot foi esse trampolim para o ator.
Ele impressionou todos de Hollywood na pele de Elliot, uma entrega merecedora de aplausos. O ponto de virada foi a vitória no Emmy de 2016, defendendo o hacker Robin Hood, quando derrotou nomes do calibre de Bob Odenkirk (Better Call Saul), Matthew Rhys (The Americans) e Kevin Spacey (House of Cards), na categoria melhor ator de drama.
Logo após o fim de Mr. Robot, ele se dedicou a outro papel marcante. Malek viveu o cantor Freddie Mercury no filme biográfico Bohemian Rhapsody. Por esse trabalho, entrou na seleta galeria de atores vencedores do Oscar, vitória conquistada em 2019.
Direção ousada
Sam Esmail dirigiu e roteirizou quase todos os 45 episódios de Mr. Robot. O que vemos na tela é obra de sua mente fértil e criativa. Ele abusou mesmo foi na escolha de direção de muitos episódios, alguns entrando para a história da televisão americana.
Uma escolha de Esmail que o público percebe aos poucos, e quando nota nunca mais vai deixar de observar, é o enquadramento de câmera fora do padrão. Em certos momentos, até parece erro, pois os personagens não estão centrados na tela. Ou estão colados em uma das “paredes”, ou sendo vistos de cima para baixo, de baixo para cima…
Isso tem um motivo. Esses enquadramentos oferecem ao telespectador dicas da situação de determinado personagem naquela cena. Se ele é visto de baixo para cima, por exemplo, indica que está em uma situação submissa. Vale muito a pena prestar atenção nesses detalhes.
Episódios fora da caixinha
Mr. Robot tem uma coleção de episódios que são obras-primas. Três desses merecem destaques à parte. Talvez o mais ousado de todos é o quinto da terceira temporada, finalizado como se tivesse sido todo gravado sem corte, com um único plano-sequência. Na verdade, foram poucos truques de edição usados. O USA Network exibiu o episódio sem intervalos comerciais, contra o padrão do canal americano, para passar essa sensação de uma história sem interrupções. O jornal The New York Times afirmou que o episódio foi “uma arte de fazer TV.
O quinto da quarta temporada dobrou a aposta da ousadia, indo de encontro a uma das principais regras da TV. Foram nada menos do que 40 minutos de cena sem nenhum diálogo entre os personagens, nem uma fala sequer. Isso porque Elliot estava em uma missão hacker perigosa ao extremo, por isso precisava ficar em silêncio.
Outro episódio memorável é o sétimo da quarta temporada. Sam Esmail fez uma mistura combinando os cinco atos de um episódio de TV, no formato tradicional (exposição, ação cresce, clímax, ação cai, desfecho), com os cinco estágios do luto (negação, raiva, negociação, depressão e aceitação). E usou apenas quatro personagens. Exibido em 2019, esse episódio, até hoje, sustenta uma das maiores e mais raras notas do site IMDb: 9,9 (33 mil votos).
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
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