O estrago feito pelo analgésico OxyContin nos Estados Unidos a partir de 1996, provocando uma crise de saúde pública rotulada de epidemia dos opioides, foi narrado em duas imponentes minisséries lançadas nos últimos anos: a nova Império da Dor (Netflix; 2023) e Dopesick (Star+; 2021). Qual é a melhor?
Ambos os dramas partem do mesmo ponto, compartilhando similaridades. O fundamento deles é narrar como o maldito remédio OxyContin, medicamento viciante à base de opioide, foi aprovado por órgãos reguladores dos EUA e ganhou as ruas, resultando em milhões de pessoas viciadas na droga legalizada, disponível em farmácias.
Dopesick é a série que melhor conta o caso do OxyContin, com mais detalhes e profundidade, apresentando ótima dramatização. Por sua vez, Império da Dor peca no didatismo exagerado, quase parecendo um documentário. Culpa disso foi a escolha de ter uma narração em off que estraga a experiência, praticamente virando uma aula cansativa acerca do tema.
As duas atrações têm em comum quatro frentes narrativas: a da empresa farmacêutica Purdue Pharma (fabricante do OxyContin), a investigação governamental/policial, a vida de um viciado e os vendedores da empresa. Dopesick vai além disso com um diferencial essencial: o ponto de vista do médico que receitava o medicamento.
Quem liderou esse setor de Dopesick foi Michael Keaton, entregando performance brilhante que lhe rendeu os quatro principais prêmios hollywoodianos (melhor ator de minissérie no Emmy, Globo de Ouro, Critics Choice e SAG Awards). Seu papel foi o do clínico geral Samuel Finnix, o médico de uma cidade pequena e pacata, alvo perfeito da Purdue.
Dopesick expõe o lado perverso da farmacêutica, como se a empresa liderasse uma rede de tráfico de drogas de olho na melhor maneira de viciar a maior quantidade de pessoas. Por isso, a meta era mandar vendedores a regiões industriais, com potencial de ter muitos trabalhadores com dores causadas pela labuta. Daí entraria o OxyContin prometendo aliviar essas dores.
A cidade onde Finnix trabalha tem uma mina de carvão. Ele, consequentemente, atende várias pessoas com todo tipo de dor relacionadas ao trabalho duro naquele lugar insalubre. O doutor interage com Billy Cutler (Will Poulter), vendedor da Purdue que usa a lábia para convencê-lo a receitar OxyContin aos seus pacientes. Finnix fica receoso com a possibilidade da pílula viciar, mas Billy assegura que o risco disso acontecer é “menos de 1%”.
Na jornada do clínico, o espectador de Dopesick segue de perto os segredos do OxyContin serem revelados, atropelando essa garantia mentirosa do “menos de 1%”. É o médico o centro da narrativa, conectando-se com todas as outras pontas: empresa Purdue, investigação, paciente viciada e vendedor “traficante”.
Dopesick tem muitas outras histórias paralelas, como a da investigação dividida em duas (procuradores federais e o DEA, departamento antidrogas americano). Tanta coisa para acompanhar, ainda mais indo e voltando no tempo, pode confundir o público. O recurso usado pela série é mostrar, na tela, em qual ano se trata determinada cena quando uma viagem ao passado ou ao futuro ocorre, situando assim quem está assistindo.
Esse ponto fraco de Dopesick, de ter muitas tramas emaranhadas, acaba sendo positivo na comparação com Império da Dor. A produção da Netflix é muito seca, direta. Enquanto que Dopesick tem mais tempero, desce melhor.
Recado importante: iniciada em meados dos anos 1990, a epidemia dos opioides não cessou. Dados oficiais mostram que mais de 40 pessoas morrem, por dia, nos EUA de overdose envolvendo opioides adquiridos legalmente, com prescrição.
João da Paz é editor-chefe do site Diário de Séries. Jornalista pós-graduado e showrunner, trabalha na cobertura jornalística especializada em séries desde 2013. Clique aqui e leia todos os textos de João da Paz – email: contato@diariodeseries.com.br
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